segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Toque da Morte

Quando a morte espreita, o pensamento desperta. Dei com ela outro dia, agachada atrás do muro que divide a cozinha da copa. No lugar da clássica velha sem rosto, vestida de preto, encontrei uma linda pequena fada rosa. Na altura dos meus joelhos, ela tinha pequenas asas transparentes, cabelos dourados presos em coque e pequenos cintilantes olhos azuis. Como eu sabia que era a morte? Apenas sabia.

Ela sobrevoou minha cabeça e sentou-se no meu ombro direito enquanto eu preparava o jantar. Disse algumas coisas em língua estranha e quando comecei a chorar – culpa da cebola – guardou silêncio. Ela era linda. Tão delicada que a pequena foice que carregava perdia a força do letal e tornava-se um instrumento mágico para preparar floridos jardins.

Mas as coisas mudaram, transformaram-se dentro da minha própria cabeça.

Quando cheguei a casa três dias depois, lá estava ela, sentada no sofá. Mais alta que eu e vestida pesadamente de negro, a Morte fumava tranquilamente meu cigarro. Com as pernas trêmulas, admito, vi as baforadas ganharem o ar, senti aquelas mão enrugadas de unhas vermelhas e, de relance, bati com seus pequenos olhos de gato faminto. A foice gigantesca estava apoiada num vaso de plantas. As plantas tocadas por ela estavam murchas. Ela acabou o cigarro, me olhou por longos minutos e se foi. Por dias não encontrei com ela.

Ontem, justamente ontem, depois do ataque fatal da Morte, eis que a fadinha me aparece novamente. Voando delicada, pediu licença e sentou-se no meu ombro esquerdo. Falando em português claro, pediu para que eu não me preocupasse; que assim era a vida; que ela um dia também viria me buscar. Eu estava com raiva, das mais vermelhas, e não a olhei no rosto.

A fadinha então se postou na minha frente e num piscar de olhos cresceu e transformou-se naquela velha odiosa de negro. Com movimentos horríveis, a velha senhora de olhos de gato encostou os sórdidos dedos de unhas vermelhas na planta que havia murchado na sua primeira visita. Depois me olhou sorrindo pelos olhos e desapareceu. Baixei a cabeça e, quando dei por mim novamente, a planta murcha estava estava de pé, florindo. Chorei sem cebola, como há muito não fazia.

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