domingo, 28 de agosto de 2011

Aos domingos

Hoje, acordei com uma imensa vontade
de libertar, a cada afirmação captada,
um foda-se lindo, robusto e de qualidade

Não sem antes, estupefato, fazer uma cara
convincente de quem desarma o coração
com teatral empolgação escancarada.

De olhos abertos, esbugalhados em atenção,
ouvirei palavras jorradas aos milhares,
nadas delicados, verdades por uso capião.

Com lágrimas nos olhos, crepusculares,
encherei o peito com o ar limpo dos impuros
e o foda-se sairá, alforriado,
com sons espetaculares.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Culpa universal


Se andasse tudo o que pensa, teria dado a volta ao mundo. Da última vez que abriu a boca para filosofar sobre coisas sem sentido, e digo por minha parte já que deve ter aberto a boca para outros mais recentemente, discursou sobre o impacto e sobre a solidão de se saber parte do tempo. Incrível a capacidade de abstração para alguém que claramente tem mais o que fazer. Disse que se sentia incomodado em saber que ao mesmo tempo em que lia, candidamente, um livro, alguém, em outra parte do mundo, certamente estaria morrendo, sendo morto, nascendo, comendo e, o pior, fazendo amor. Para ele era insuportável a consciência de ser apenas parte de um sistema que não poderá jamais conhecer por completo.

A culpa de ver-se lendo um livro enquanto alguém morria de inanição pesava sobre seus ombros, mesmo que obviamente não houvesse sentido algum tal premissa. Disse mais, sempre que pensava no assunto, projetava situações que estariam, quase certamente, ocorrendo em outras terras. Em comum entre as imagens de prisões, desertos, guerras e camas desarrumadas, apenas o seu rosto. Era ele que tomava um tiro de um soldado chinês, era ele que amava uma japonesa de cara embaçada – característica recorrente em sonhos e pensamentos, era ele que socava a mesa em uma empresa recém-falida qualquer, era ele, sempre ele que sofria todas as dores e alegrias do mundo.

Ouvi até o final toda essa história e cai em desânimo por não ter uma resposta melhor do que uma interjeição qualquer para dar ponto final à conversa. Mesmo que blindado à loucura do livro como arma letal indireta, porém definitivamente tomadora do tempo em que poderia estar-se fazendo algo mais útil do que deitar-se a viajar em ficções e contos surreais, agora, sempre que começo minha leitura noturna, sinto uma pontada de culpa no estômago. Me salva de sofrer com a questão a infame ideia de que enquanto sofro de culpa, por menor que seja, alguém está lendo, candidamente, um livro qualquer.