terça-feira, 31 de agosto de 2010

Candidato por um post



Uma das coisas que me incomodam nesta campanha 2010 é me chamarem de filho. Não sou filho de ninguém, além do MEU pai e da MINHA mãe. Quero o óbvio e o óbvio é meu de direito, não é favor. Pensando nisso, incorporei o candidato, subi no meu banquinho virtual e escrevi o texto abaixo:

"Eu acredito na capacidade de cada um de vocês. Não gosto desta idéia de o presidente ser pai, ser mãe. O presidente tem de ser um parceiro, alguém que sabe o que você precisa e que fará o máximo para que você cresça, para que você melhore. Ninguém neste país é incapaz. Não acredito que você seja. Por isso, trabalharmos juntos é meu maior projeto de governo. Outra coisa: ter escola, hospital, segurança não é favor de nenhum governo. É direito seu! Quero que todo mundo possa deixar seus filhos na escola e ter certeza que a educação é de boa qualidade, possa ir a um hospital se precisar. Esse é o papel do presidente, garantir que você tenha o que precisa para fazer seu próprio caminho. Falam por aí que o brasileiro precisa de uma mãe. Não acredito. O brasileiro é inteligente, sabe encontrar soluções. O brasileiro precisa de um parceiro. E eu estou pronto e quero ser seu parceiro."

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Guerra

É guerra. Naquele dia precisei sair na Central. Como qualquer cidadão, postei-me diante da porta, esperando o momento de desembarcar. O trem saiu da escuridão do túnel e foi iluminado pela estação e logo sombreado pela multidão. Cerca de 40 pessoas aguardavam para entrar no trem, do outro lado da porta na qual eu estava. Como carros engatados, elas se moviam em ondas curtas. Os pés fincados no chão e o corpo mareando pra frente e pra trás, hipnotizados. Fiz sinal, garoto, de que gostaria de sair. Ninguém tomou conhecimento. As portas abriram, forcei a saída, mas fui carregado para o meio do vagão. Os que entravam, gritavam, se divertiam com a própria tragédia. E eu queria sair. Avancei dois passos, derrubei uma senhora. Quando estendi minha mão para ajudá-la, retrocedi mais quatro passos. Decidi entrar no jogo. Empurrei, soquei, armei meus cotovelos. Me olharam de cara feia, eu olhei de cara feia. E quando o apito anunciava o fechamento das portas, consegui. Fui expelido do trem. Pensei, são sardinhas entrando na lata.

No final do dia, quando voltei à estação, mudei minha conclusão. Naquele momento, era eu a empurrar e entrar no vagão. Não são sardinhas. Somos sardinhas.

sábado, 28 de agosto de 2010

Laranjada no copo de papel (quando começamos a passar)

Durante anos fui assíduo. Depois de almoçar, ia todos os dias tomar uma laranjada no copo de papel. O boteco ficava na Buenos Aires, quase com Primeiro de Março - a rua onde o imperador desfilava sua barba.

O lugar não era sujo, tampouco limpo. Uma bancada de ferro e vidro protegia alguns salgados anteontinos espalhados estratégicamente para ocupar todo o espaço. O senhor, dono do estabelecimento, devia estar na casa dos sessenta e aparentava estar ali desde sempre. Com habilidade, sacava o copo de papel de um tubo, o encaixava num suporte de metal e abaixava a alavanca. O suco vinha com força, de algum lugar entre as ruínas de uma oca dos Guarani e o chão. Era imperdível.

Pois bem, voltei ao local semana passada, seco por uma laranjada. E encontro um aquário. Explico, o velho do suco passou o ponto e os novos donos resolveram modernizar. Maldita modernidade. O lugar era literalmente um aquário. Luzes brancas no lugar das velhas amarelas, paredes e chão de azulejos claros e com textura no lugar do chão preto com bolinhas brancas e das paredes sujas, uma reluzente bancada de mármore substituindo o vidro dos salgados anteontinos.

Perguntei se serviam suco. A atendente de uniforme de aeromoça disse que sim e sacou um copo de plástico. Fiquei nervoso, admito e, meio sem jeito, perguntei se havia a possibilidade de me servir a laranjada no copo de papel. Ela, jovem, pintada, com um logotipo qualquer estampado na testa, me olhou estranho e mostrou os velhos e bons copos de papel. Se justificou: disse que ninguém mais pedia aquilo. "Aquilo". Pelo menos a alavanca ainda existia.

Os clientes sarados vindos de alguma academia e três garotas provavelmente da quatro por quatro me olharam com desdém e eu molhei minha barba da mesma maneira que fazia quando não se podia ver as poças de suco no velho chão preto com bolinhas brancas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Forte

Ele sempre esteve lá. Imponente, gigante e preto. Os locais chamavam a estrutura de Black Fort. Diz a lenda que já foi usado por guerreiros da Babilônia, espartanos sedentos por sangue, putas sonhadoras e órfãos de padres safados.

Hoje é apenas uma sombra que não deixa a grama crescer no lado sul. Ele sempre esteve lá e eu nunca tive coragem de chegar perto. Ouvia ou imaginava ouvir o grito dos guerreiros, os gemidos de amores impossíveis das putas, o choro dos órfãos. Nunca fui.

Velho, me permiti conversar com as vozes e subir as escadas da ruína. Abri os ouvidos e ignorei as mensagens e reclamações. Subi 473 lances de escada, tropecei 12 vezes e enfiei minha bengala em quatro buracos. No final, cheguei ao alto da torre norte, a mais alta e bela do forte.

Lá de cima conclui o óbvio. O panorama era lindo, mas o forte era realmente preto. Por algum motivo acreditava que quando chegasse lá, iria me deparar com outra cor, talvez branca, laranja ou até lilás. O óbvio machuca, o óbvio é triste. Desci e me afastei o máximo que pude.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Milagres subornados

Deus disse: venham a mim. Ninguém se moveu. Mandou seu filho. Na arrogância adolescente, disse: levanta-te e anda. Ninguém levantou, muito menos andou. Tentou mais uma vez: os que não podem ver, abram os olhos e contemplem. Mas ninguém viu nada por detrás das cataratas. Atrás da cortina azul de bordados borboleta, o diabo prendia o riso. Deus cansou, pediu uma água com gás e foi fumar um cigarro no jardim. Seu filho, ainda novo, se trancou no quarto e se perdeu nas músicas do iPod. O diabo gargalhava. Ria, pois depois que o todo poderoso saiu da sala, o tetraplégico andou e o cego viu. A primeira coisa que fizeram foi cobrar a parte deles no acordo. O diabo pagou rindo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Minutas de uma terça



Sonho mal dormido

Alice apareceu no meu sonho. Falou de coelhos de terno, chapeleiros malucos, cartas que bradavam espadas. Disse que pensava em cinco coisas impossíveis todos os dias antes do café da manhã e que podia aumentar e diminuir. Afirmou que um país repleto de maravilhas existia sob alguma árvore.

Esqueceu-se, porém, que o sonho era meu. Num piscar de olhos, fiz com que desaparecesse e levasse com ela aquelas idéias. Voltei a ter meu sonho de volta. Voltei aos móveis de madeira velha e o rádio tocando a JB FM. Adormeci dentro do sonho.

A questão das portas

O hall tinha três portas fechadas. Uma de madeira; a segunda, sanfonada e a terceira, toda de ferro. Só era possível abrir uma, apenas uma. Uma escolha, um momento, uma atitude. Escolhi a sanfonada. Fui brega até no último momento.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sujeito verbal

Descobri que estava apaixonado exatamente no momento em que ela se foi. Triste, porém verdade. Enquanto dividíamos a cama e o ar, ficávamos em um jogral de amor e ódio. Parece normal, acredito que seja, mas ainda assim é diferente. Daí, deixe-me pensar sobre o assunto e acabei caindo no labirinto do significado das palavras.

A primeira grande questão e, acredito a mais básica e importante, seria: qual a diferença entre sentir, sofrer e entender? Sentir uma frase ou sentir alguém talvez seja quando o coração e a mente entram no processo juntos. Entendimento é cérebro e só. Sofrimento, para o bem ou para o mal, apenas coração. Compartilhar o sentimento é consequência imediata para aqueles que sentem e que sofrem. Como sentir, como sofrer? Não tenho a menor idéia.

Voltando a história. Com ela junto de mim, sentia amor. Sentimento linear, calmo, constante. Paralelo ao amor, um tipo brando de ódio, conhecido como implicância. Implicância esta que, por vezes, cruzava a linha do amor. Nada grave, tudo previsto no roteiro de um relacionamento. Depois de um certo tempo, o sentimento amor passou a ser entendimento amor. E aí só razão.

Quando ela fechou a porta e deixou-me sozinho, senti imediatamente paixão. Sentimento plano, nervoso, ansioso, voraz. A imagem do rosto dela impregnou minha retina de forma que a via fechando ou não os olhos. Suava, doía meu estômago. Não sabia se tinha fome ou sono. Se queria sair ou dormir. A paixão sentida revirava meu corpo. Era sentimento puro, era sofrimento puro, só coração.

E tive que esperar. Dentro do chavão corretíssimo, só o tempo poderia resolver. E resolveu. O sofrer deu lugar ao sentir que, por fim, foi substítuido pelo entender. Longo processo de verbos para acalmar o sujeito. Evidentemente sabia e sei que apenas uma história havia terminado. Por mais que, às vezes, comece a suar deseperadamente.