segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Primeiras Palavras

O cara esboçou umas palavras meio sem graça e foi-se embora pra qualquer lugar bem longe dentro de si. O cara não sou eu, mas já foi, ela sabia. Ela não é voce, mas vai ser. E se ninguém sabe do que a gente fala eu acho é pouco. De um tanto, um punhado de qualquer coisa que ninguém nem tenta descrever. O povo só sabe que tem alguma coisa estranha. A história começa onde termina o fato e, meu amigo, o fato não traz a história assim no ato. Tem que deixar o barco correr e a idéia navegar e, na verdade, na vida não vamos nunca valer os favos. Que valor afinal teve os vinte e cinco anos? Vai saber, bróder.

Quem não tem visão bate a cara contra o muro, te asseguro. E é só. O quente do momento, o "in", a voga, a melhor droga do mundo é saber levar e viver o que não vale a pena como se fosse a primavera. E a gente já ouviu esse papo de tanto jeito que não tem mais como entender. Pode escrever isso de novo. Pode falar outra vez, que não entra. A cabeça é mais dura que a água mole e a gente engole cada coisa inodora, incolor e impossível. Dói no fundo do peito e na boca do estômago o verbo entalado na garganta. O corpo humano é mesmo uma coisa maravilhosa. Tá tudo linkado, mon amie. O calo lateja. A orelha queima. O pé formiga e adormece. O tremilique surreal fazendo xixi. Passou o mesmo fantasma de sempre. A gente tem uma danada de uma alma que só dá pra ver sem querer, leva um susto e quando vê já não está. Não tem jeito de escrever nem descrever, e mesmo assim cadê quem nega? Cadê?!

Tem tanta história pra inventar por estas bandas de cá que dá até medo. Tem tanta novidade nos canais de TV a cabo. Sempre. Mesmo na reprise. Só sabe quem pode pagar pra ver e eu não estou pagando pra ver. Eu quero aprender de graça. Quem não quer? Quem?!

Tem gente querendo saber como é que acaba, mas a maioria nem sabe direito se já começou, a verdade é essa. Quem sou eu pra saber da verdade? Eu sou qualquer um com alma e tudo, com algum estudo, com altos sonhos e alegria dosada nos intervalos da novela das oito, que me bota triste como o quê. É tanto amor morrendo sem motivo no horário nobre. É tanto pobre e rico subindo pelas paredes do barraco. Tanto caco de vidro que duvido de nêgo andar por aí de pé descalço e achar bonito.

Peguei o trem errado duas vezes num fim de semana. Cheguei e voltei. Não perdi um só vôo. Mas deu tempo de pensar em tanta coisa que quase valeu a pena.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

...

- Pai, por que você tá chorando?
- Por nada, filho.
- Você sempre chora quando tem festa no colégio...
- Eu sempre choro quando te vejo nas festas...
- E tem motivo?
- Olhar é guardar coisas que um dia você só vai poder lembrar.
- Não entendi...
- Um dia, você vai...

Ética

O professor entregava as notas do trabalho de ética. A turma ansiosa fazia um barulho constante, uma névoa de sons vários que flutuava exatamente na altura dos ouvidos. Tortura. De repente, o silêncio.

O professor perguntava em catalão quem era o Silva. O rapaz levantou o braço e se identificou. E se fez o silêncio absoluto, por milésimos de segundo, o mesmo silêncio que ocupa o tempo entre o gol e a vibração da torcida.

Segundo o mestre, aquele era o pior trabalho que já havia lido. O silêncio se refez e a turma vestida com uma compaixão teatral quedou-se em miradas tímidas e cabeças baixas. Silva manteve a cabeça erguida e os olhos calmos, fixos no reflexo dos óculos do professor.

Com um castelhano que vinha do fígado pediu a palavra para se defender. Com palavras rasgadas de raiva e vergonha, Silva foi à frente da turma e perguntou o que era ética. Ninguém respondeu e a pergunta foi lançada novamente, educadamente, como uma flecha sem ponta.

O garoto da esquerda deu a definição de Aristóteles; a menina da direita citou o código de ética dos jornalistas; o mais velho falou de meio ambiente e, no final, a pergunta continuava sem reposta definida.

Silva então olhou pro professor e perguntou o que era ética. O velho catalão disse que as respostas dos alunos respondiam a pergunta com louvor. Silva sorriu e disse que todas aquelas éticas eram teoria e não tinha nada de práticas. Com todas aquelas frases bonitas, com todas as zeugmas, as metáforas, os livros, não havia como saber o que fazer e o que esquecer.

E que, além do mais, mesmo falando só de teorias, elas não serviam para todas as culturas, para todas as responsabilidades, para todos os interesses e, portanto, não podiam servir como uma definição de ética universal. E perguntou, de novo, o que era ética.

No silêncio da tensão, onde unhas sendo ruídas pareciam motores de avião, Silva foi ao quadro e escreveu "não faça com os outros o que não gostaria que fizessem contigo". O professor riu com lábios de ironia e abriu a boca para falar, mas foi impedido pela mão espalmada no ar do garoto que pedia mais um instante.

Silva disse que aquela frase era quase perfeita, mas que existiam homens que gostavam de ver suas mulheres com outros, que existiam mercadores que se deixavam roubar para que pudessem ganhar alguma vantagem, que existiam aqueles que se enganavam pela mais pura comodidade.

E disse que faltava pouco e que a próxima frase era o mais perto e definitivo do que alguém já chegou a pensar sobre a prática da ética. Com a mão esquerda agarrou o apagador e fez com que a palavra contigo deixasse de existir. Com a direita escreveu "com seu filho".

Largou tudo. Deu um sorriso, não de vitória, mas de respeito ao professor. Pegou a mochila e foi-se embora. Às suas costas, Silva ouviu os aplausos. E no dia seguinte, na tabela de notas, o pior trabalho de ética da história continuava marcado com o único zero que alguém recebeu naquela faculdade. O óbvio não tem bibliografia.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Aritmética

A você, devoção,
a mim, não.
A você, razão,
a mim, não.
A você, paixão,
a mim, não.
A você mundo,
a mim, não.

Na esperança fraca, porém invencível, fica:
não = sim
4não = 2 sim
2 não = sim
não = sim|2
não = talvez

Mensagem

Oi...
bjs..
br...

Quanto menos letras, mais pensamentos.
Quanto menos toques, mais imaginação.
Quanto menos verdades, mais fantasia.
E, no final, o que não foi vira passado,
concreto, forte, suado, inesquecível.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mais um dia...

Seis da manhã, avental vestido,
cigarro tragado, café bebido.

Caixas de comida, gritos perdidos.

Vai ser daqueles dias, todo listo.


Pra começar, pega a caixa de batatas,

a de cebolas, os alhos e o creme de leite.

Descasca tudo e não esquece o chapéu.
Amola a faca, traz o lixo e a tábua verde.


Batatas-doce e da terra lavadas.

Fatia elas bem fininho com o fio da faca.

Mais fino, porra! Que chefe é esse?
Uma hora passou e o calor cresce.

Pega as cebolas já descascadas,
corta em quadrados pequenos.
Ele tá chorando, prenda rendada,
É menor que isso, como as que tenho.

Traz o alho, corta e amassa,
mistura o sal e experimenta.
Se arder a língua, está bom
Se não, olha o relógio e refaça.


Bote a panela no fogo.

Não nesse que é meu,

nem naquele que é dele.

Ache seu fogo e faça o seu!


Óleo quente, alho e cebola nele.

Refoga tudo sem queimar.

Olha o tempo, temos que servir

ou vamos ouvir gente gritar.


Desliga o fogo, joga o creme de leite,

mexe tudo bem mexido e pede

uns quatro tabuleiros pra terminar.

Porra, manda esse cara parar de gritar.


Batata doce cobrindo o fundo,

Batata da terra sobre elas,

depois o molho do creme cobrindo tudo

Repete até encher, seu burro.


Forno preparado, pano arrumado,

tabuleiros cheios e encaixados

Hora do cigarro, não!

Hora de cortar o pão...