segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Quatro tardes
o chão que antes
me mantinha agora
se equilibra sob mim.
Os olhos não fecham,
mas eu não vou gritar.
Tenho idéias pulsando
no corpo mole, mundano,
que se joga no sofá.
Quero paz às minhas pernas;
não vou me levantar.
Tenho música no coração
e o suor escorre como água.
Sou eu uma massa de pele que
morde e engole as mãos,
que tremem sem parar de dançar.
Tenho dores por todo
o corpo que insiste em
desequilibrar, no meio
do salão. Corro, derrubo,
trombo, só quero vomitar.
Seis cidades
os tijolos sempre se repetem
ao infinito e o tiro de bala
barata resvala e estoura
dentro de uma cabine vermelha.
Tenho vapor nas narinas,
a areia gruda nos pés
queimados de reflexos
brancos de um sol que
só gosta de cozinhar
Tenho suor na camisa,
as ruas infinitas sempre
levam a torre e o museu
é maior do que posso
suportar sem me matar.
Tenho o estômago cheio,
engolido pela vontade
de comer e arrotar,
nem o grito da morte,
me fez a comida recusar.
Tenho os ouvidos surdos,
e o que se fala não é
para mim o que se escuta
é consequência real
imediata do que não entendo.
Tenho fumaça na cabeça,
os rios correm para todos
os lados e para lugar
nenhum bar me diz não
e eu só quero enrolar.
Tenho água na garganta,
que desce e evapora
antes de eu repirar.
O fundo é vazio, morto
não há nada para mostrar.
Língua dura
mas alguns defendem o catalão.
As massas comem em italiano,
e os filosofos choram em alemão.
As bombas explodem em inglês,
as estátuas olham em mandarim,
as bolas quicam em português,
enquanto o dutch corre do sim.
A honra se mantém em japonês,
e a depressão sorri em russo.
Os pães crescem em francês,
e o estopim é sempre em galês.
No meio de tantos sons,
tantas línguas, tantos tons,
o tempo ignora nossa vontade
e só ficam as estátuas de mármore
surdos e mudos estandartes.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
A filosofia das batatas
Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas" (Machado de Assis em Quincas Borbas)
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Balas
Apontando sua arma para as costas
Do cara que desarmado olhava assustado
Para as pessoas paradas na praia.
Parei curioso, não aterrado, e esperei
Esperei o baque final, fatal não frontal
Daquela bala que poderia ser de festim
Que talvez marcasse a deixa
para o diretor Gritar de sua cadeira: corta!
Esperei o diretor e o tiro numa calma,
num silêncio angustiante que vinha do meu ouvido
e se transformava em um zumbido
que se confundia com o barulho das ondas
que no mar já sabiam
que eu ia andar de novo sem ouvir o tiro
E voltei a andar até o coqueiro, ponto novo para mim
Que tinha dado um tempo desta praia.
Numa paz estranha, já que meus olhos imaginavam
Em cenas sem diretor a vida daquele cara que poderia
Morrer hoje não por derrame ou ataque cardíaco
Mas por uma bala imbecil e fria e pelo ódio incondicional
E naquele calma andei sem olhar para trás
Observando aqueles que virados para minhas costas
Enrugavam seus rostos em desaprovação
Não sei se a mim ou ao cara armado que levava o outro.
E na minha paz divina me locupletei com todas as situações
Que poderiam ser geradas daquele momento:
Eu tomando uma bala
A velha do meu lado tomando a bala
O cara tomando uma bala
O armado ser policial
O armado ser bandido
Eu ser um policial e pegar a arma do bandido
Bala pra todo mundo
E fui naquele marasmo, sem balas nem estampidos
Continuar minha caminhada na direção do coqueiro
E pensava: porque tanto ódio, podíamos conversar
Podíamos sentar e trocar experiências
Mas de súbito me vi impossível, numa mesa de pernas tortas
Com as mão atadas sobre uma arma que soltava balas de feijão
E o homens, burros que só eles, rindo da minha condição de lacaio
De uma idéia fanfarrona de algum brincalhão.
Levantei no meu sonho e disse com voz grossa: eles não sabem,
E no próximo ponto da vida real, desci na areia, no coqueiro menor
Errei o coqueiro e a onda que quebrava me lembrou da bala que alguém tomou.
Eterna busca
seu deus, seu amor, seu mar, sua cor, sua solução
Nada há fora, só sombras como já dizia platão.
Ele só esqueceu de dizer que lá fora
está dentro de você
Outro dia li a bíblia e qual foi minha surpresa
Quando me deparei com a minha própria história,
Meu paraíso uterino é o jardim do éden divino
Onde nada preciso fazer, trabalhar ou comer
Onde há frutas ao meu dispor, onde só há amor
Depois, lançado no mundo, em meio a sangue e dor
Perdi, com o choro, minha felicidade incondicional
E ouvindo atento aos ruídos do mundo exterior
Criei meu próprio conceito de realidade universal
Com os olhos abertos, dei forma ao que via
Com a língua enrolada, dei nome ao que me existia
Com as mãos pequeninas, toquei minha verdade
Com as lágrimas, representei minhas vontades
(Estava criado meu mundo, em essência)
Depois da primeira fase, só precisava obedecer
Meus pais me diziam, preocupados, o que fazer
Este foi meu velho testamente, não havia opção
Quando menos esperava, vivi os novos livros
Foi me dado o tão esperado livre-arbítrio
Na adolescência, em meio a crises e revoluções,
rompi com meus deuses e desconstrui minhas ilusões
Já adulto, sofri o eterno dilema humano
Defender meus ideiais a qualquer custo
ou me entregar de pronto à um mundo insano,
sedento em me devorar
Crucificado ou não, ainda não cheguei ao meu final,
no momento em que meus anjos e demônios tomarão meu coração
para apresentar a conta crucial,
onde estará detalhado tudo o que fiz,
todo meu bem e todo meu mal
No segundo anterior ao cessar da minha respiração
assistirei impassível, passar toda a minha vida em essência
numa guerra interior inclemente de sangue, suor e paixão
para, finalmente, fechar os olhos para o único caminho possível
o fim definitivo da minha existência
Viagens de fim de tarde
poucas se movem ou tem forma.
Daquelas que correm e gargalham,
Dois terços ou mais são mulheres,
Metade do que sobra, animais,
A outra, amigos perdidos
Amar é fechar os olhos e dar de cara,
Amar é dormir sem pensar em nada,
Amar é mergulhar e ficar de ponta a cabeça,
Amar é sofrer por nada e sorrir por sofrer
Amar é detalhes não ver
E mesmo nas inversões mais feias,
Amar é achar a lógica linda e inalterável.
De todo o resto que não se move ou chora,
Amo sensações, das imensas às róseas.
Não tem explicação, nem pedra no rim que sirva
como ponto de comparação...
Amar o silêncio sob as águas,
Amar zumbido do quase dormir
Amar o banheiro vazio e o mictório urgente
Amar o última dose que vão te servir.
Amar um olhar, uma gozada, um sinal verde
Amar a Internet, água gelada, amar normalmente
É sem dúvida no meio das dúvidas surge o verdadeiro amor
De dentro de um flor feia e enrugada,
o melhor beijo, a melhor trepada.
E o gostinho amargo fica pra sempre,
Como marca em um fantasma carente.
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Ridículo
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21-10-1935
Os sonhos de um...
Falo verdade chã. Retro bazófias!
Cada homem (microcosmo de loucuras)
imagina-se um todo; e eu sou, confesso,
parte da parte que era tudo in ovo;
parte da treva, mãe da luz, sim dessa
vaidosa luz, que à sua mãe pleiteia
foros de universal; por mais que o tente
não lhos há-de usurpar; quem lhe deu posses
para mais que abraçar as superfícies?
penetra num só corpo? (e inumeráveis
são eles) só os tinge e aformosenta;
e o mais pequeno em seu correr a embarga.
Deixál-a; tenho fé que cedo acabe;
se perece a matéria, está perdida.
domingo, 20 de janeiro de 2008
Aula 78
Intensa crise. Velho| Novo é a relação que está em cada escolha cotidiana. Velho querendo ser novo: o jeans cargo seria a união dos dois modelos. Ao mesmo tempo, uma timidez imensa. Sapatos, camisas e casacos que não chamem a atenção que antagonizam com o relógio esporte e com a certeza das palavras. Por fim, um cego que não queria usar óculos e um garoto que sempre quer ter 20 anos, com barba de 20 anos.
"A imortalidade está ligada à defesa de princípios, onde quer que isso leve"
sábado, 19 de janeiro de 2008
A lebre e a tartaruga
não tiver pressa de chegar,
chegar e nenhum lugar,
vendo o futuro, infinito, cativante,
comendo cada instante
do meu constante esperar.
Mas se espero é porque sei que não quero
ter pressa de para trás ficar.
Mais primeira vez,
espero e venero cada momento
que o mundo vem mostrar
o barulho do silêncio
o caminhar dos segundos
o ritual dos ventos
Tudo existe na condição de ensinar
E quem sentindo, sereno, porém atento aguardar
o momento mágico e preciso de levantar
e fazer valer a cansada condição de esperar
E quando primeira vez,
não tiver pressa de chegar
verei que já terei chegado
em algum lugar
antes e mais aprumado
daquele que saiu antes, apressado
tentando me ganhar.
Coratando
Tecnocabal
um rato, uma cidade
Objetiva, grande angular
uma sombra, uma tarde
Uma foto, um vídeo
um momento, 30 minutos
Amador, profissional
pouca cor, dinheiro curto
Concreto, virtual
no bolso, pasta de tudo
blog, papel do jornal
futuro, ouvidos surdos
Enquanto o HD gira
vou ficando numa boa
eu sei, eu sei, eu sei
Concretando
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
Aula de quarta-feira
não passa de uma invenção
fraca, torta, um inimigo
de quem quer dominar a razão
E para que dominar a razão
se não para controlar a sociedade
e transformar a sabedoria
numa correria de vaidades
Então contemos mais mentiras
para proteger as verdades
retirantes das falsas gírias,
banhistas no sol da tarde.
Construiremos castelos de cartolina
bandeirantes de solos inférteis,
nulos, mortos, jazendo nas colinas.
Até que tudo caia, se distraia
e se despedace em cacos afiados
para recomeçar tudo de novo.
Com exploradores míopes e cansados
de pés cortados e corações atrofiados.
Neste ponto da história,
não há mais verdades, nem mentiras
há contos e lendas divertidas
sobre coisas que todos acham
mas que ninguém pode acreditar.
Até que alguém na curva do vento
começa a criar novas verdades
sobre uma base de mentiras
sem pressa, sem gritos, sem alarde,
cria-se um novo mundo novo
onde os banhistas continuam tomando o sol da tarde.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
Velho
Velho para amar
Velho para odiar.
Velho para dormir,
Velho para acordar
Velho para pensar,
Me preocupar, falar,
Ainda mais velho para me calar.
Velho para andar, correr, parar
Velho para gozar e me recuperar,
Velho de estima, de vida, de cismas
Velho sem rima, bonitas e mal vestidas
Velho de um olho só, eternamente aberto
Velho de pernas fortes e mãos firmes
Velho para brigar, cair, levantar.
Velho para acertar, menos velho pra errar.
Velho para acusar, julgar e decidir,
Mais velho para que façam isso comigo
E mesmo velho assim como digo que sou
Ainda ouço dizer que sou novo, gozador
Mas insisto, velho sou e serei mais
E ainda: sou o sonho que todo velho traz,
Ter cabeça de velho e corpo de rapaz.
E aqueles que ainda constroem a paciência
Quando a minha em cacos já se espalham
Digo-lhes que não ha solução, se não
Preparar-se para curvar-se e recolhe-la ao chão
Não foi falta de esforço, tentei com toda a forca
Multiplicar por mil minha frágil paciência
Mas por mil ela foi dividida e hoje me equilibro
Sobre o bloco de um caco só, pura demência.
Ainda falta-me propor uma aposta
Diga-me o que serás que te direi não,
Digas o que não gosta e te direi sim
Olhe para o alto, te apontarei abaixo,
Olhe para o lado e te rasgarei o coração.
Como te disse não tenho mais paciência
E como velho sou, sim ou não,
O que importa e ter fincado os pés no chão.
Caixa de Madeira
Atravessar a rua e subir numa caixa
Aumentar a voz e quebrar a mesmice
De mim mesmo e desta chatice
Gritasse palavras de ordem para mim mesmo
Distribuisse minhas opiniões a mim mesmo
E num milagre digno de putas e malandros
Todos me compreendessem
Talvez fosse eleito vereador
Talvez fosse decretado morto
Cuspido, aclamado, alvejado
Com latas e merda de cachorro
Mas sem o milagre, nada disso seria,
Morreria velho, cheio de dentes
sem esperar a morte chegar
e rouco de tanto falar.