terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sonho 436

Quatro e quinze da manha. Consegui abrir a porta que há tanto tempo estava trancada. Giro a maçaneta e entro com cuidado. Dentro, a escuridão aos poucos dá lugar a uma luz fraca porém constante, que vem de lugar nenhum. O chão escorrega e está coberto de musgo e lixo. O cheiro se alterna entre o mais fino perfume de uma rosa e o fedor mais pútrido de um esgoto qualquer.

As paredes estão cobertas por gaiolas. amontoadas desde o chão até o teto. A cada piscada de olho as jaulas de multiplicam. Há dezenas, centenas, milhares. Dentro de cada uma delas, um pedaço da memória está aprisionado. E memorias dentro de gaiolas se comportam como galinhas. Galinhas nervosas, se debatendo, com ruídos de cacarejos e do bater desesperado de asas atrofiadas.

O cheiro é muito forte, e mesmo quando é bom me faz marear. As narinas confusas levam confusão ao resto do corpo. As pernas bambeiam, a cabeça lateja e o suor começa a escorrer como água. No meio de tudo isso, algo me diz que tenho pouco tempo. Um tic-tac ressoa em algum lugar. Tenho que correr, mas não sei para que. Fecho os olhos.

Por detrás das minhas pálpebras, vejo um homem de cartola - que não sou eu - entrando na sala. Ele derruba todas as gaiolas e liberta as galinhas/memórias. Com a algazarra, as penas flutuam e fazem coçar, os cheiros se multiplicam, o suor forma uma poça aos meus pés. O homem sai da sala e tranca a porta por fora. Não me movo.

De algum lugar, surge uma velha. Vestida de forma simples, ela, em desespero, tenta colocar as galinhas de volta nas jaulas. As aves se debatem, bicam, voam e caem. A velha se ajoelha e se esforça, mas é impossível. As lagrimas correm da face da mulher que com as mãos na cabeça sussurra palavras que me passam medo, muito medo. Ela levanta e com um pé de cabra destrói a fechadura da porta.

Abro os olhos. A velha não está mais na sala. Estou sozinho, e no chão, as memórias. Algumas estão mortas, outras estragadas ou esmagadas, e algumas, como antigas fitas VHS, começam a rebobinar, mas é um loop. Rebobinam infinitamente para momento nenhum. Olho para aquilo tudo e a angustia de quem não sabe o que fazer toma conta mim. Mais uma chance perdida. Fecho os olhos. Quatro e dezesseis da manhã.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Carta de mim pra mim mesmo

Caro Luís,

Os horizontes novos estão atrás dos prédios e dos outdoors. Atrás da favela e do carro de som do candidato a vereador. Tem que correr, derrubar parede, pular de janela, tropeçar em cerca de arame farpado, levar beliscão, fazer careta, assobiar mozart, cortar cebola assobiando mozart, fazer gol de canela, me procurar na esquina, ir tomar banho, virar cambalhota, dia-sim-dia-não. E tem mais! Eles só se tornam novos depois que o cara chega e pisa e canta uma música de improviso. Até lá eles são mesmo é velhos. Quer dizer, em constante mudança. Quer dizer,... entendeu, né?

Mas aí, minha dúvida: e se, chegando, não for lá? Paciência. Tira foto, manda um postal, scrap no orkut, "aquele abraço na galera!", "pega aí meu email!", "vai me visitar quando?", "foi um grande prazer, mas meu horizonte é mais pra leste". Meus pés sujos são troféus e eu sei que meus netos vão gostar das histórias que eu tenho pra contar. Além do mais, se aprende melhor onde se está e isso é priceless.

Acho também outra coisa, se me permite. Acho também que tem hora que o tal horizonte, a vista que você sempre quis emoldurada pela sua janela, está logo atrás daquela colina. Aquela ali. Não, não! Aquela outra! Isso! Essa! E tá que o sujeito, que acabou de chegar, sai correndo pro outro lado! Sabe como é? Pois é. Então antes de sair correndo outra vez, vou dar uma volta na vizinhança. A gente acaba perdendo um tanto de paisagem nesse correr-sem-calma.

PARÁGRAFO ÚNICO:
Horizontes velhos: lavou, tá novo.

Essa é a minha opinião hoje. Amanhã é outra.
Aquele abraço direto do suvaco do Redentor ("Jack! I'm flying!" no cume do Corcovado).

Luís - Dando uma volta na vizinhança