segunda-feira, 31 de maio de 2010

Tranqueira

Quando a bola quicou na sua frente, ele perdeu a chance de marcar o gol. Depois, só recuou. Só foi se dar conta da real situação no momento em que estava de goleiro, parado, esperando que os outros lhe dessem um pouco de emoção. Mas nunca lhe davam. Ali ficou esperando uma lufada de coragem que o impelisse a abandonar o campo, ou que alguém cansasse e pedisse a posição. Nunca aconteceu. No meio do jogo, desejou seu fim. Desejou tanto que o tempo quase parou. Quando o fim se transformou em algo tangível, ele resolveu. Avisou a todos que ia fazer o que tinha vontade. Mas como aquilo tinha sido dito tantas vezes sem se transformar em realidade, ninguém deu bola. Entretanto, daquela vez era pra valer. Sem prefácio, começou a correr, atravessou o gramado, marcou o gol e saiu de campo. Nunca mais ninguém soube dele. Que ele está feliz é a única certeza daqueles que ficaram pra trás.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Diário de um desmemoriado (parte final)

Minha idéia era construir uma nova história e me afastar de uma que não era a minha. Depois que deixei o prédio onde morava quando tinha memória, andei muito. Da Tijuca fui ao Centro, do Centro ao Porto, do Porto à Niterói. Caminhando, devagar. Sem hora, sem relógio. Observado paisagens que, mesmo velhas, eram inteiramente novas. Descobrindo gostos, cheiros e redefinindo o que gostava e o que não.

Andando, visitei lugares desertos onde o silêncio me fazia falar sem parar com o objetivo de ocupar todo o ar a minha volta. 
 Me perdi em grandes metrópoles onde o ar estava permanentemente ocupado por vozes e sons que me mantinham calado. Fui e voltei. Conheci e me despedi. Me embriaguei e vomitei. Gargalhei e chorei. Fiz tudo o que me deu vontade e fui feliz.

Fui tão feliz que por semanas esquecia que um dia tinha sido outra pessoa. Com uma vontade inquebrável fiz todo o possível para manter aquela ante-vida bem distante. Desde o dia em que conheci meus pais e minha mulher, não voltei a vê-los ou a falar com eles. Me fazia bem saber que não havia volta. Pelo menos, assim eu imaginava.

Um dia, resolvi subir uma trilha atrás do barulho de água que prometia um bom banho. Subi e quando vi a cachoeira me desequilibrei e cai. Na queda, bati a cabeça e desmaiei. Como estava sozinho, não sei quanto tempo passei desacordado. Me pareceu uma noite, mas eu nunca saberei ao certo. O que sei é que depois daquela queda, meu mundo não seria o mesmo.

Lembrei quem eu era antes. Lembrei do meu primeiro encontro com minha mulher. Lembrei do nosso casamento, lembrei e senti como era e sou apaixonado por ela. Lembrei dos meus pais, do meu irmão. Lembrei daqueles meus amigos que me resgataram no centro da cidade. Lembrei de tudo e, magicamente, não esqueci o que tinha feito enquanto estava adormecido na minha amnésia.

Andei o mais rápido que pude e voltei pro meu antigo mundo, esperando um perdão provável, mas difícil. No caminho, longo, imaginei dormir ao lado da minha mulher novamente, desejei seu corpo, ansiei pela companhia dos meus pais, do meu irmão. Corri o mais que pude e, uma semana depois de ter deixado a cachoeira, cheguei ao Rio de Janeiro.

Fui ao meu antigo prédio e perguntei por minha mulher. O porteiro não a conhecia e não sabia nada sobre ela. Sentei e esperei a síndica que me informou que o apartamento havia sido vendido três anos antes. Meu deus, quatro anos se passaram, desde que meu passado desapareceu. Correndo, sempre correndo, fui à casa de meus pais e me avisou o dono da mercearia que eles haviam morrido dois anos antes.

Um desespero imenso tomou meu corpo e meu coração. Sentei no meio fio e chorei por muito tempo.
  Um mendigo passou e me ofereceu cigarros. Fumei meia dúzia. Um sentimento de derrota se alastrava e chegava ao meu estômago. A culpa pesava em meus ombros e com a cabeça entre os joelhos tentei pensar no que fazer.


Andando, cheguei ao trabalho do meu irmão. Ele, como imaginei, não trocou de emprego nestes quatro anos. Dei meu nome na portaria e esperei que o avisassem. Sentei e, depois de longos minutos, vi um homem velho, andando com dificuldade, saindo do elevador. Com o rosto torto, conseqüência de um derrame, meu irmão me abraçou e chorou como da primeira vez em que nos reencontramos.

Sentados em um bar, me contou que meus pais morreram de repente. Me ocultou o motivo, mas deixou transparecer que a tristeza os havia levado. Deu-me detalhes do momento em que o derrame destruiu parte do seu corpo e de como havia sido difícil segurar aquela barra sozinho. E disse, antes que eu perguntasse, que nada sabia sobre minha mulher.

Quando acabou o café, pedi que me desse alguns telefones e com eles consegui chegar ao endereço atual da minha mulher. Me despedi de meu irmão prometendo reencontrá-lo no dia seguinte para contar a minha história. O abracei com carinho e fui em direção ao meu passado.

Cheguei ao prédio indicado como sendo o de minha mulher. Encostei num poste e esperei alguns minutos, tentando controlar minha respiração. Precisei de quase meia hora. Ao final, respirei fundo e fui, deixando que minhas pernas andassem no automático. Não pedi que me anunciassem. Entrei no elevador e apertei o botão. Minhas mãos, apenas suor.

Parado na frente da porta, precisei de mais algum tempo. Toquei a campanhia. E muito tempo se passou. Quando a porta se abriu, lá estava ela, linda como sempre. Me olhou em choque. Ensaiou chorar. Mas antes que as lágrimas vencessem seus olhos, duas pequenas crianças a cercaram. Ela retomou o controle e pediu para que eu nunca mais voltasse. Não deu oportunidade para que minha boca se abrisse. Fechou a porta.

Desde então, aprendi que minha esposa havia se casado com um velho amigo meu e com ele teve dois filhos. Meus pais, já não existem mais. Meu irmão luta a cada segundo para esquecer seu futuro e eu, bom eu me mudei definitivamente para as ruas do centro do Rio. Ali, vivo com meus amigos mendigos. Ali tento esquecer, ali tento não ser.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Breve desabafo

Como ele nunca houve, nem perto. Admito que a culpa da separação foi minha. Eu era muito jovem, embrião de feminista e não entendia que algumas coisas não mudam. Acreditava numa relação de iguais, quando nunca somos iguais. Acreditava em centenas de coisas que hoje não lembro. Definitivamente, não eram importantes. Vivi como desejei, mas perdi meu maior desejo que era tê-lo ao meu lado.

A última vez que o vi foi no verão de 1932. Estávamos num parque. Não lembro o nome do lugar, mas me recordo bem da habilidade que ele tinha de me segurar pela cintura. Ao mesmo tempo em que usava a força de um animal, encaixava as mãos como um cavalheiro. Pressão e delicadeza, paixão e amor, juntos inseparáveis.

Ele, deitado na grama, me contava coisas que eu não sabia. Eu, de olhos fechados, recitava poemas impossíveis e assim víamos o tempo correr. Enquanto o sol descia de encontro a terra, eu imaginava uma vida inteira. Naquela tarde maravilhosa, ele me contou que era casado e que tinha uma filha pequena.

Fiquei louca. Tive vontade de arrancar os cabelos, de chorar, de fugir. Mas não fiz nada. Sentei-me e fitei o sol que já tinha ido embora. Não seria um simples homem que me faria perder o controle. Hoje teria feito tudo que não fiz. De nada me serviu o maldito controle. A idade me fez ver as coisas de outro ângulo, digamos assim.

Levantei e não olhei pra trás. Nunca mais o vi. Nunca mais o tive. E hoje com 78 anos de idade, me lembro de uma época de ouro e imagino. Fotos, não tenho. O que fica? Duas frases: não existem regras para nada, e orgulho, só serve da boca pra fora. Que eu aprenda para a próxima.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Diário de um desmemoriado (parte 2)

(continuação) Ainda tenso e angustiado pelo encontro com meu irmão, aceitei conhecer minha esposa. Toda a caravana de novos-velhos amigos se encaminhou para o metrô da Carioca. No caminho, mendigos - grandes companheiros - me saudaram e desejaram sorte. Toda aquela gente que me acompanhava falava ao mesmo tempo, me tocava, ria e tentava me fazer rir. E eu - incoscientemente - não ouvia nada. Palavras e mais palavras sem nenhum conteúdo emocional forte o bastante para me tirar da minha amnésia. Imagine você, ir a um encontro com pessoas que não conhece, o seu principal desejo será - provavelmente - ir embora. Eu só queria ir embora. Enquanto isso, a questão passou a ser quem pagaria minha passagem.

Infinitos 30 minutos se passaram até que desembarcássemos na Praça Saenz Peña. Segundo o que meu irmão me dizia e repetia sem parar, iria ser uma tarde fantástica, já que meus pais também estavam esperando para me encontrar. No caminho para o prédio - na General Roca - tentei encontrar o silêncio mas fui impedido pela fúria verborrágica dos "amigos" que me acompanhavam. Na dúvida e completamente constrangido pela minha falta de memória, escolhi o chão e com ele fui até chegar ao prédio onde conheceria o restante da minha família. Na portaria, discutiu-se por muito tempo como subiríamos já que só havia um elevador funcionando. Naquele momento, eu era a atração principal de um circo que eu não conhecia.

Fui o último a entrar no elevador. Antes da minha vez, seis viagens lotadas foram feitas ao quarto andar. Quando saí do elevador, eu era uma noiva. Dezenas de pessoas fizeram um corredor polonês de olhares para me ver passar e encontrar minha família. Respirei fundo, completamente alheio a toda aquela emoção. No final do túnel de rostos desconhecidos, um casal de senhores e uma mulher me esperavam. A tal mulher não se conteve e se jogou no meu pescoço, os senhores se limitaram a chorar em silêncio. Silêncio. Era tudo o que eu precisava e tudo o que eu não tinha.

A mulher agarrada ao meu pescoço era bonita e me olhava com amor. O casal de senhores tinham traços familiares, talvez por serem meus pais. Fiquei extremamente deslocado, suspenso no murmurinho que invadia a casa. Fui salvo por meu irmão que expulsou sob protestos as dezenas de desconhecidos que ainda formavam o corredor polonês. Eles queriam mais, eles queriam histórias, eles queriam alguma coisa que eu - definitivamente- não poderia lhes dar. No aconchego de um família que pele menos legalmente era minha, me limitei a escutar. Sabia que qualquer palavra mal colocada poderia causar danos graves àquelas pessoas que - em princípio - apenas me amavam.

Já sentado, sorvendo um café que me pareceu espetacular, fui intimado a contar o que tinha me acontecido. Contei das minhas caminhadas, contei dos meus amigos mendigos, dos velhinhos que não queriam dividir a comida, do relógio que não funcionava e me calei, pois não tinha mais nada pra contar. Aí começou a parte chata, a de escutar sobre a vida de um eu que não era eu. Mais vídeos, mais fotos, mais choro. Pedra. Era o que eu era. E isso me doia demais. Saber que a falta de emoção bombardeava o coração daquelas quatro pessoas que me cercavam. A conversa durou a tarde inteira e durante todo esse tempo, interjeições se tornaram minha especialidade. Como no momento em que recebi meu primeiro abraço, eu só queria ir embora.

Mas não aconteceu. Depois de me despedir de meus pais e irmão, fui com minha mulher para a nossa casa. Entrei no carro e escolhi a luz do painel como companheiro e com ela dividi o silêncio até o final da viagem. Dentro da casa, fiquei curioso. Eu ajudei a decorar isto? Era terrível, de extremo mau gosto. A mulher que me cercava começava a me dar naúseas. Tudo me dava vontade de fugir. Por dentro me sentia uma panela de pressão a ponto de estourar. Sentei. Respirei. Pedi uma toalha e entrei no banho. Quando saí, encontrei a mulher nua me esperando na cama.

Ela era bonita, formosa. Mas deus, eu não queria nada. Eu não a conhecia! Pedi a ela que por favor me deixasse descansar. A menina entendeu o recado e se vestiu. Doeu mais uma vez. Eu sabia que a estava magoando. Deitei e fui informado de que estava no lado errado da cama. Sutil vingança. Rolei. Tentei dormir, mas meu cérebro preferiu pensar em uma maneira de sair dali e o mais rápido possível. Assim que minha mulher adormeceu, levantei, me vesti e saí de casa. No corredor, vi fotos nossas. Pareceu que eu era realmente feliz. Mas aquela decoração, eu não faria absolutamente.

Finalmente consegui ir embora.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

História de Trocador

Uma história que me contaram por aí:

Flávio era um cara tímido. Muito tímido. Já tinha completado 19 anos e nunca tinha beijado na boca. Ao ver meninas, tremia dos pés a cabeça e, o mais importante, nunca tinha tido a oportunidade de se apaixonar. Num dia qualquer, resolveu entrar numa loja de CD. Entrou sem procurar nada e achou o que não esperava. Laura, a vendedora. Delicada, pequena, cabelos negros, três ou quatro piercings espalhados pela cara. Quando a viu, Flavio não conseguiu se mover, estagnado dentro do próprio coração. A menina que reconheceu nele algo que não identificava, se aproximou e perguntou se podia ajudar. O menino agarrou um CD qualquer e entregou à vendedora. Eram 15h.

A partir daquele momento, Flavio passou a visitar a loja diariamente e sempre às 15h. Comprou inúmeros CD's que nunca abriu e que ocupavam os armários e o chão de seu quarto. Foram três meses de visitas rápidas, intensas e mudas. Flávio esticava o braço com um CD pendurado em suas mãos e Laura fazia o seu trabalho. O máximo que Laura ouviu foram bons-dias balbuciados. Certo dia, Flavio não apareceu e a este dia se seguiram outros. No quarto dia em que a ausência se fe presente, Laura decidiu ir atrás de notícias.

Vasculhou os recibos de venda e descobriu o nome completo do rapaz. Na Internet, conseguiu o telefone e ligou. Boa tarde, por favor o Flávio? Quem gostaria? Laura, sou a vendedora da loja de CD's. Onde fica essa loja? Na rua do Almeida 23. Pois bem, em uma hora estou aí. Mas quem está falando? Marcia, mãe do Flávio. E o telefone foi desligado.

As 16h, Marcia apareceu com uma mala. Laura que já esperava a visita se adiantou e a convidou para sentar num canto mais reservado da loja de CD's. Quando Marcia começou a chorar, Laura sentiu que as coisas não iam bem. Entre soluços a desesperada mãe contou a Laura que o filho havia morrido atropelado quando voltava pra casa da loja de CD's.

Com os olhos embassados, empurrou a mala na direção de Laura que, chorando, reconheceu dentro dela os compactos que havia vendido. Todos completamente lacrados. Laura começou a chorar copiosamente e, um a um, foi rasgando os lacres e colocando sobre a mesa os bilhetes que ali escondia na esperança de que um dia Flavio correspondesse seu amor.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Diário de um desmemoriado (parte 1)

Perdi a memória. Tudo o que me lembro se resume em saber que sou e que me chamo Erico. O anel no meu anular esquerdo acusa um casamento e, portanto, uma mulher. Espero. Os dentes amarelados me avisam que sou fumante. O resto é história de transeunte. Me disseram que cai no meio da rua, bati a cabeça no meio fio e desmaiei. Acordei com uma dezena de pessoas tentando me fazer voltar à tona. Voltei, mas não reconheço a superfície.

Na confusão, me levaram o celular e a carteira, portanto não tenho idéia do que fazer ou para quem ligar. Levantei e fiquei andando, perdido, pela Cinelândia. Torcendo para que alguém me reconhecesse. Talvez estivesse estampado na minha cara o medo e a angústia já que fui abordado por um crente e parado por dois bandidos que não tinham nada para levar.

No final do primeiro dia, fiz fila na sopa servida sob os Arcos da Lapa. Ali conheci uma dezena de mendigos e alguns velhinhos. Os velhinhos reclamaram e tentaram me expulsar com medo que não tivesse comida para todos. Os mendigos me ofereceram cigarros e conversa. Aceitei um Hollywood amassado. Tentei tragar e quase morri. Se era, não sou mais fumante.

Assim passei três dias. Andando. Esperançoso de que alguém corresse na minha direção e me abraçasse sorridente. Percorri toda a Rio Branco uma centena de vezes. Devagar. Conheci muita gente. Enquanto ainda estava limpo, era ignorado por todos. Quando a poeira tomou conta da minha pele, entrei pro grupo dos mendigos. Com eles, encontrar comida não seria problema.

Tudo correu bem, dentro do possível, até o dia em fui abraçado. Quando já me acostumava àquela vida de rua, fui abraçado sem dó nem piedade por uma, creio, amiga. Enquanto ela falava, me beijava e me abraçava, percebi que o relógio do Largo da Carioca não funcionava. Ela – que se disse Marina – só foi perceber que eu não tinha a menor idéia de quem era ela, quando percebeu meus olhos fixos no tal relógio quebrado.

Me fez sentar. Entramos no Bar Luiz, no qual quase fui barrado, imagino por minhas roupas. Pedi uma salada de batata, informando que não podia pagar por elas. Neguei a cerveja. Enquanto comia com prazer, acompanhava de soslaio os movimentos nervosos de Marina com o telefone. Em cinco minutos, ilustres desconhecidos se juntavam a nós e me faziam muitas perguntas, alguns deles choravam. Tive vontade de sair correndo. Cheguei a levantar, mas tive que parar para ser apresentado ao meu irmão.

Admito que chorei. Não por um sentimento de reencontro tardio, mas por angústia. Simples e complexa angústia de quem não sente nada, mas que deveria. O cara – grande e barbudo – chorava como uma criança. Quando vi o garçom limpando as lágrimas, explodi. E foi um tal de chorar que quase me fez tentar fugir de novo. Vi fotos de carteira, escutei histórias minhas, mas nada me lembrou nada.

Para aquela mesma tarde, como me foi informado, iria ser apresentado a minha mulher. O pior: não tinha a menor idéia de quem era ela.

domingo, 2 de maio de 2010

Fragmento

- Esquece!

Disse Armando.

- Esquece e vai embora.

E a noite engoliu Nora. E a noite engoliu Nora.

Nora não disse nada que se tenha ouvido. Esses casos são mais sutis, não se fala tanto: se adivinha mais - ou se assume capaz.

No caminho até o desfecho, o que se costumava falar foi sendo obliquamente substituido pelo que se adivinhava. As palavras de pedra ou pena, recém saídas da boca, caíam logo ao chão ou voavam pela janela. No tímpano virgem do ouvinte, retombava solenemente sua própria palavra.

Logo não passava palavra alguma e assim permaneceram por longos 6 anos, 3 meses e 1 dia: 113 discussões, 8 grandes viagens, 3,5 traições e 632 trepadas no mais magnífico silêncio.

Nora foi embora. Armando dormiu chorando. Ambos com imensa saudade de tudo que foi escutado, mas nunca dito.