terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sonho 436

Quatro e quinze da manha. Consegui abrir a porta que há tanto tempo estava trancada. Giro a maçaneta e entro com cuidado. Dentro, a escuridão aos poucos dá lugar a uma luz fraca porém constante, que vem de lugar nenhum. O chão escorrega e está coberto de musgo e lixo. O cheiro se alterna entre o mais fino perfume de uma rosa e o fedor mais pútrido de um esgoto qualquer.

As paredes estão cobertas por gaiolas. amontoadas desde o chão até o teto. A cada piscada de olho as jaulas de multiplicam. Há dezenas, centenas, milhares. Dentro de cada uma delas, um pedaço da memória está aprisionado. E memorias dentro de gaiolas se comportam como galinhas. Galinhas nervosas, se debatendo, com ruídos de cacarejos e do bater desesperado de asas atrofiadas.

O cheiro é muito forte, e mesmo quando é bom me faz marear. As narinas confusas levam confusão ao resto do corpo. As pernas bambeiam, a cabeça lateja e o suor começa a escorrer como água. No meio de tudo isso, algo me diz que tenho pouco tempo. Um tic-tac ressoa em algum lugar. Tenho que correr, mas não sei para que. Fecho os olhos.

Por detrás das minhas pálpebras, vejo um homem de cartola - que não sou eu - entrando na sala. Ele derruba todas as gaiolas e liberta as galinhas/memórias. Com a algazarra, as penas flutuam e fazem coçar, os cheiros se multiplicam, o suor forma uma poça aos meus pés. O homem sai da sala e tranca a porta por fora. Não me movo.

De algum lugar, surge uma velha. Vestida de forma simples, ela, em desespero, tenta colocar as galinhas de volta nas jaulas. As aves se debatem, bicam, voam e caem. A velha se ajoelha e se esforça, mas é impossível. As lagrimas correm da face da mulher que com as mãos na cabeça sussurra palavras que me passam medo, muito medo. Ela levanta e com um pé de cabra destrói a fechadura da porta.

Abro os olhos. A velha não está mais na sala. Estou sozinho, e no chão, as memórias. Algumas estão mortas, outras estragadas ou esmagadas, e algumas, como antigas fitas VHS, começam a rebobinar, mas é um loop. Rebobinam infinitamente para momento nenhum. Olho para aquilo tudo e a angustia de quem não sabe o que fazer toma conta mim. Mais uma chance perdida. Fecho os olhos. Quatro e dezesseis da manhã.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Carta de mim pra mim mesmo

Caro Luís,

Os horizontes novos estão atrás dos prédios e dos outdoors. Atrás da favela e do carro de som do candidato a vereador. Tem que correr, derrubar parede, pular de janela, tropeçar em cerca de arame farpado, levar beliscão, fazer careta, assobiar mozart, cortar cebola assobiando mozart, fazer gol de canela, me procurar na esquina, ir tomar banho, virar cambalhota, dia-sim-dia-não. E tem mais! Eles só se tornam novos depois que o cara chega e pisa e canta uma música de improviso. Até lá eles são mesmo é velhos. Quer dizer, em constante mudança. Quer dizer,... entendeu, né?

Mas aí, minha dúvida: e se, chegando, não for lá? Paciência. Tira foto, manda um postal, scrap no orkut, "aquele abraço na galera!", "pega aí meu email!", "vai me visitar quando?", "foi um grande prazer, mas meu horizonte é mais pra leste". Meus pés sujos são troféus e eu sei que meus netos vão gostar das histórias que eu tenho pra contar. Além do mais, se aprende melhor onde se está e isso é priceless.

Acho também outra coisa, se me permite. Acho também que tem hora que o tal horizonte, a vista que você sempre quis emoldurada pela sua janela, está logo atrás daquela colina. Aquela ali. Não, não! Aquela outra! Isso! Essa! E tá que o sujeito, que acabou de chegar, sai correndo pro outro lado! Sabe como é? Pois é. Então antes de sair correndo outra vez, vou dar uma volta na vizinhança. A gente acaba perdendo um tanto de paisagem nesse correr-sem-calma.

PARÁGRAFO ÚNICO:
Horizontes velhos: lavou, tá novo.

Essa é a minha opinião hoje. Amanhã é outra.
Aquele abraço direto do suvaco do Redentor ("Jack! I'm flying!" no cume do Corcovado).

Luís - Dando uma volta na vizinhança

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Rosa morena

Tao pequena e escondida,
tao avessa ao sol e ao vento,
rodeada de humores frios,
saída sempre pelo avesso

Tao linda, perfeita e misteriosa,
tao igual e tao diferente,
rosa de suaves dentes
que mudam de cor
à inclinação do sol

Quando o grito se faz forte
e a chuva acomoda a terra,
ela se aperta mas deixa
que o mundo a conheça

A maré que leva a vida,
deixa na areia uma idéia,
o que se gera dentro dela,
perfeita rotação completa.

E para os não iniciados,
para os tristes do acaso,
fica a lenda da fonte mágica,
onde o prazer gera dor,
onde a dor gera a vida,
e onde a vida gera outra flor.

What?

Who am I?
I can be anyone
Who am I?
A lyric singer
Who am I?
A lost poet
Who am I?
A life beginning
Who am I?
whatever you said
Who am I?
A stupid style
Who am I?
An unfair dream
Who am I?
a fool smile
Who am I?
a simple file
Who am I?
tons of coffee
Who am I?
pen without ink
Who am I?
virtual papers
Who am I?
always late
Who am I?
some coins
Who am I?
doesn't matter.

Who am I?
If I can be anyone, I am no one.
I am not.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Outra vez

Não sei o que dizer.
Não diga.
Não sei o que fazer.
Não faça.
Não tenho o que pensar.
Não pense.
Não quero o que sentir.
Não quero.

Construção de Ecos

Vou rodar
ramos de rosa,
carros de roça
rugas de restos,
ranço das covas,
rímel de puta.

Vou restringir
o estrito atrito,
o tremelique estranho,
o truque tacanho,
o trampo perverso,
o trato do amor.

Vou chorar
cachos de chuvas,
fechos de luz,
em coxas insossas,
com manchas roxas,
lágrimas de chacal.

Vou falhar
na cama molhada,
na colheita das folhas,
na rolha de fundo,
na tertúlia do mundo,
na malha de judas.

Chifres de touro,
roupas de mouro,
tambores de couro,
anel de cristão.

À antiga espera
que a terra nos coma,
voltar a ser sombra
no fim da razão.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Nas costas da pálpebra

É só fechar os olhos,
que eu tenho você,
ou estou em você,
no meio de lugar nenhum.

É só fechar os olhos,
que te vejo sorrir,
no meu ombro dormir,
sonho dentro do sonho.

É só fechar os olhos,
que te sinto suar,
que te escuto gritar,
num ritmo que não conheço.

É só fechar os olhos,
e o passado que não foi
vira presente imaginário
e futuro embaralhado.

Eu fecho os olhos e viajo,
viajo sem volta marcada
em loucuras endiabradas
de quem não sabe mais nada.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pernas, pernas, pernas...

Que fixação por pernas,
todas elas, as pernas delas
linhas curvas, linhas retas

formas raras, não tão certas

pernas roliças de dormir
pernas magras de suar
pernas curtas de apoiar
pernas longas de se enrolar

pernas hippies de pêlos pretos
pernas jovens de cores fortes
pernas executivas ou da estiva
pernas putas de toda a vida

Aquelas que andam duras de beleza
outras que rebolam com toda destreza
acompanhando a bunda dancarina
dentro do compasso da melodia mais fina.

Me ajoelho e peço pouca atenção
às pernas que passam ao largo

elas me ignoram e não me dão
mais que um joelho dobrado.

Essas pernas que não param,
que andam, correm, que estalam
Essas pernas que minhas não serão

que jogam minhas pernas no chão.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Eu minto sobre cigarros. Eu não fumo.

Te dei a mão com ironia, calcei a porta com o jornal de hoje e fomos longe. Um do outro. Me viu do outro lado da rua, me olhou através e disse o que pensava. E eu lendo os seus lábios e os seus olhos, esqueci de que lado vinha e voltei, como se fosse.

Das coisas que eu uso eu minto.
E minto de tudo mais que sinto.
Dos caminhos: o mais longo, que é o único.
Dos sentidos: o de sempre, que é o claro.
Dos amigos: o tolo, que é o santo.
Dos amores: o falso, que é o eterno.
Das manias: você, que não tem jeito.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Qual?

O que sobra quando
o dedo falha, quando
o olho fecha, quando
se tropeça?

O que sobra onde
tudo morre, onde
o que há explode, onde
nem erva daninha?

O que sobra por que
não acorda, por que
não volta, por que
não há?

O que sobra como
lixo de rico, como
sol de estio, como
chuva rala?

O que sobra, no que
está verde, no que
não vem agora, no que
só se atrasa?

As perguntas
só causam
mais perguntas.

Melhor a ignorância
completa,
a cegueira discreta,
à saída.

sábado, 5 de abril de 2008

Mr. Presidente

Todo mundo defende muito,
mas ninguém fala a frase:
"ele é um exemplo a seguir,
um poço de saber e equidade".

Mais da metade o adora,
mas dentro de casa, ninguém deseja
que um filho um dia seja
o que ele representa agora.

Ele caga em nossas cabeças
e tem gente que agradece o presente
ele remonta o passado, e neste caso
sempre seremos os otários mais recentes.

E ele ri dos que estudam,
e ele ri dos que trabalham.
e transforma em crime,
tudo o que poderia ser apenas acaso.

Dorian ideológico

Só querem o conflito;
vivem de gerar emoções.
Se quisessem soluções,
parariam com a gritaria.

Mas se parassem de gritar
se perderiam sem objetivos,
sem emprego ficariam,
morreriam sós em pó de mica.

Sem o quadro dos gritos,
todos se desintegrariam
mortos, areia tornariam-se
nada mais que pólem de outros gritos

Mas nunca acontecerá,
o pólem maldito é poderoso
está em todo o mundo,
e grita mesmo que esteja morto.

domingo, 30 de março de 2008

No meio

Vou embora.
Mas não pergunte de onde nem pra onde.
A resposta está onde a palavra se esconde.

Não lamento.
Mas não quero "por quê?" nem "por quem?".
Minha sombra me segue e se expande.
Caminho ao sol, que me cega e não se põe.

À noite, deito e é dia.
O sol mostrando o oeste, que é o meu norte.
O vento, cruzando meu centro, me acaricia.
O chão cortando meus pés, doces cortes.
A noite vem forte
E é dia.

sábado, 29 de março de 2008

Sonrisas en Castellano

Si pudiera una sonrisa
alterar las mareas de la noche;
si pudiera una sonrisa
alejar las sombras sin dar coces.

Nos reiríamos hasta el amanecer
en la larga noche de carcajadas,
atados a las locuras más sobrias
y a los espasmos más endiablados

Y ningún demonio de las lágrimas
a más de un metro se aproximaría,
muerto de miedo de contaminarse
con nuestra viral y repentina alegría.

Libres estaríamos y volaríamos
hacia una plaza cerca del mar,
donde el infinito sonido de las aguas
se confundiría, deliciosamente,
con nuestras carcajadas.

Eu, traidor de mim

A minha língua me trái, muitas vezes.
Em outra língua, a minha língua me trái, mais ainda.
Até quando eu escrevo, meu dedo é língua, e me trái.
Quando eu penso, minhas sinapses são línguas qua-se-se-to-can-do.
Minhas sinapses me traem. Bilhões.
O tato, o gosto, os sons, as cores: línguas.

Aí eu me pego olhando e olhando de novo;
tocando e tocando de novo;
pensando e pensando de novo;
gritando e gritando mais alto.
Que é pra ter certeza.

Mas a gente vai se tocando.
Antes de olhar de novo, eu grito.
Antes de gritar de novo, eu penso.
Antes de pensar de novo, eu ouço.
Antes de ouvir de novo, eu olho.


terça-feira, 25 de março de 2008

Pro LG!

"Quando olhamos para o alto,
de cima de alguma montanha,
ou debaixo do cobertor quente,
sempre olhamos para dentro
para o fundo da nossa mente.
Não adianta fugir, nem mentir,
que não há caminhos a seguir
que não seja por nossas lembranças
nossos medos, nossos lambanças.
No meio do que não esquecemos,
sempre há vozes e risos e abraços
daqueles que nunca se esquecem,
daqueles que sempre nos aquecem,
mesmo quando não há um porquê.
E no final do caminho, quando o nada
for mais tudo do que sempre foi,
estaremos abraçados, pulando,
cantando alguma vitória ou
rindo chorando sobre a derrota
que nos fez mais próximos
do que quando a vida era torta
no caminho reto da cumplicidade.
A nós, só nos resta a certeza
e as lembranças futuras e passadas,
daqueles que são irmãos,
mesmo quando não se tem nada".

quarta-feira, 19 de março de 2008

Conto para gringos

"No centro do Rio de Janeiro, bem ali no Largo da Carioca, uma arena improvisada é montada todos os domingos. As arquibancadas são feitas de caixotes de madeira e a arena em si é de terra batida com direito a uma variedade incrível de vermes e os mais diferentes formatos de cocô de cachorro.

Neste espaço, acontece o maior evento semanal da cidade, o "Olé Ninõ". Logo após os jogos de futebol do Maracanã, os cariocas, que vivem em tendas sobre as árvores e que ainda não chegaram à idade do ferro, lotam os espaços para assistir aquele incrível espetáculo dos trópicos.

Funciona assim: dez crianças entre 10 e 15 anos são empurradas a chicotadas para dentro da arena. Um homem armado e com três kilos de doce espera o ataque mortal da criançada. O objetivo é não se deixar tocar por elas. Para ajudar, o tal homem pode usar os pés para afastá-las com chutes e rasteiras, mas em nenhuma hipótese pode usar as mãos, como no futebol e no futevolei.

O baile deve durar cinco minutos contados pelo relógio histórico da praça. Terminado este tempo, o cabra deve matar as crianças, mas só pode usar uma bala por cabeça, de preferência, é claro, na cabeça. Quando um tiro é o suficiente para a tarefa, o atirador ganha as orelhas e um dedo do pé do mortinho. Se conseguir matar todas as crianças usando uma bala para cada uma delas, ganha todas as orelhas, além das mãozinhas e ainda sai carregado nos braços do povo.

Quando acaba o show, os cariocas voltam às suas tendas para comer um papagaio ou uma capivara na lenha. Depois, dançam para afastar as chuvas de janeiro e vão direto para as esteiras ou folhas de bananeira, pois amanhã a galera tem que ir pra floresta caçar. "

Quando acabei de contar esta história, alguém disse: "Deve ser uma tradição oriunda das touradas" e perguntou: "O governo apóia esses eventos?" Deu vontade de chorar.


segunda-feira, 17 de março de 2008

Mundo Imbecil (Parte 57)

Resumo: para pegar o martelo "rompe-vidro", quebre o vidro.

Depois falam dos portugueses....
(aviso que está em todos os trens de Barcelona)

quinta-feira, 13 de março de 2008

Corações primitivos

Todas aquelas misteriosas pernas
cruzando por todo o universo inteiro,
atraindo como um buraco negro
aqueles que são fortes de coração.


Aqueles olhos acesos como faróis

orientando os náufragos, os perdidos

para um mundo de incontáveis sóis,

onde só podem os fortes de coração.


Todo o amor incessante daquela noite,

que derruba a terra e sustenta a lua,

que se alimenta da ira mais primitiva, mais crua

que só podem suportar os fortes de coração.


Morri na terceira longa cruzada

entre o norte e a ira incontrolada

pois ainda, por mais que queira

não sou forte de coração.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Blêfe

A noite que cai às seis me preocupa tanto quanto a força centrípeta que me pôs no chão. Não seriam os dias, que não os santos, ainda tão santos quanto os outros então? Me toca varrer a calçada com os pés vazios de emoção, chutar o canto da rua com a ira inexplicada, pois assim são as iras, e jurar que tudo é conspiração. Fazer das tripas qualquer coisa que bate no peito, mostrar a cara pro que nunca houve e pregar que agora me sigam, pois eu sou o que veio pra dormir, comer, lavar a louça e, eventualmente, salvar o mundo. Tanto me vale o "por que sim?" quanto o "por que não?".

Abraçando o mundo com as pernas, usando as palmas das minhas contra-mãos, fazendo as contas pras compras de outubro de 2100, parei pra ouvir o tempo e deixei cair o plano no rio de março. Aí, é um abraço, perdôa a ironia.

Maria tinha um sonho comum - como qualquer um que sonha, como um sonho qualquer - e fez valer o novo ditado de "quem tem sonho, tem tudo", e foi com tudo. Maria, contudo, não foi com tanto que fosse o bastante e acabou voltando mais leve do que foi. Maria foi e voltou e trouxe uma flor no cabelo, que ganhou no pôquer, sem cartas marcadas. Usou de blêfe, de truque, de sangue frio, de óculos escuros, de uma coleção de sorrisos, de sorte - muita sorte. O beijo de Maria tinha outro tom e o sonho de Maria tinha outro peso. O peso das coisas certas, pensadas, testadas, perdidas e achadas, em outro lugar.

terça-feira, 4 de março de 2008

Just something

"It ain't no use to sit and wonder why, babe
If you don't know by now"

I was walking down the streets, for which I have paid
I was jumping on those trains, for which I have paid

I was wasting fast my shoes, for which I have paid
I've been living for so long in this place I made

I'll put down in words so you won't understand

He's just a cold

cold, cold

cold hearted man


And now I'm him

Until I'm not

Mulheres 431

Um dia gostei de pescoços,
mas já faz tempo.
Depois vieram as bundas,
tangentes, senos e cossenos.

Enfim, as pernas torneadas,
as pernas roliças, as raspadas.
Os braços de pêlo claro,
de muito pêlo ou sem nada.

As mãos delicadas, as fortes,
as unhas de princesa,
dos arranhões do dia seguinte,
e da envergonhada destreza.

Os pés pequenos das mordiscadas,
das cócegas às gargalhadas.
Das longas caminhadas,
das fugas desesperadas.

Os peitos grandes enclausurados
pedindo um pouco de ar.
ou os pequenos envergonhados
esperando carinhos para relaxar.

As bocas entreabertas, carnudas,
pequenas, largas, cruas.
As orelhas perfeitas, grudadas,
ou livres pedindo uma beliscada.

Os cabelos desgrenhados,
violentos, sádicos, suados.
Ou perfeitamente afeitados,
puros, incólumes, amarrados.

As curvas naturais,
das imperfeições perfeitas.
Todos os pequenos defeitos,
que amei mais que tudo.

Um dia gostei de pescoços.
Mas hoje só quero um olhar
que me acompanhe onde
o resto só pode lembrar.

Mais aula

Cada caco que recolho,
me quebro mais um pouco;
cada amor que escolho,
são dez em que morro.

Quando um lado se acende,
o outro, se pode, mente;
quando a quina arredonda,
o atrasado se apronta.

O sol não liga pra lua,
o mar não pede desculpas,
e eu me deito de lado,
para não pesar o coração.

Não choro mais, nunca mais,
não suo frio, não tremo todo,
não corro de medo,
não ignoro o começo.

Vou te pegar na marra,
te amarrar em mim
te fazer meu refém
sem chances de negar o sim.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Primeiras Palavras

O cara esboçou umas palavras meio sem graça e foi-se embora pra qualquer lugar bem longe dentro de si. O cara não sou eu, mas já foi, ela sabia. Ela não é voce, mas vai ser. E se ninguém sabe do que a gente fala eu acho é pouco. De um tanto, um punhado de qualquer coisa que ninguém nem tenta descrever. O povo só sabe que tem alguma coisa estranha. A história começa onde termina o fato e, meu amigo, o fato não traz a história assim no ato. Tem que deixar o barco correr e a idéia navegar e, na verdade, na vida não vamos nunca valer os favos. Que valor afinal teve os vinte e cinco anos? Vai saber, bróder.

Quem não tem visão bate a cara contra o muro, te asseguro. E é só. O quente do momento, o "in", a voga, a melhor droga do mundo é saber levar e viver o que não vale a pena como se fosse a primavera. E a gente já ouviu esse papo de tanto jeito que não tem mais como entender. Pode escrever isso de novo. Pode falar outra vez, que não entra. A cabeça é mais dura que a água mole e a gente engole cada coisa inodora, incolor e impossível. Dói no fundo do peito e na boca do estômago o verbo entalado na garganta. O corpo humano é mesmo uma coisa maravilhosa. Tá tudo linkado, mon amie. O calo lateja. A orelha queima. O pé formiga e adormece. O tremilique surreal fazendo xixi. Passou o mesmo fantasma de sempre. A gente tem uma danada de uma alma que só dá pra ver sem querer, leva um susto e quando vê já não está. Não tem jeito de escrever nem descrever, e mesmo assim cadê quem nega? Cadê?!

Tem tanta história pra inventar por estas bandas de cá que dá até medo. Tem tanta novidade nos canais de TV a cabo. Sempre. Mesmo na reprise. Só sabe quem pode pagar pra ver e eu não estou pagando pra ver. Eu quero aprender de graça. Quem não quer? Quem?!

Tem gente querendo saber como é que acaba, mas a maioria nem sabe direito se já começou, a verdade é essa. Quem sou eu pra saber da verdade? Eu sou qualquer um com alma e tudo, com algum estudo, com altos sonhos e alegria dosada nos intervalos da novela das oito, que me bota triste como o quê. É tanto amor morrendo sem motivo no horário nobre. É tanto pobre e rico subindo pelas paredes do barraco. Tanto caco de vidro que duvido de nêgo andar por aí de pé descalço e achar bonito.

Peguei o trem errado duas vezes num fim de semana. Cheguei e voltei. Não perdi um só vôo. Mas deu tempo de pensar em tanta coisa que quase valeu a pena.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

...

- Pai, por que você tá chorando?
- Por nada, filho.
- Você sempre chora quando tem festa no colégio...
- Eu sempre choro quando te vejo nas festas...
- E tem motivo?
- Olhar é guardar coisas que um dia você só vai poder lembrar.
- Não entendi...
- Um dia, você vai...

Ética

O professor entregava as notas do trabalho de ética. A turma ansiosa fazia um barulho constante, uma névoa de sons vários que flutuava exatamente na altura dos ouvidos. Tortura. De repente, o silêncio.

O professor perguntava em catalão quem era o Silva. O rapaz levantou o braço e se identificou. E se fez o silêncio absoluto, por milésimos de segundo, o mesmo silêncio que ocupa o tempo entre o gol e a vibração da torcida.

Segundo o mestre, aquele era o pior trabalho que já havia lido. O silêncio se refez e a turma vestida com uma compaixão teatral quedou-se em miradas tímidas e cabeças baixas. Silva manteve a cabeça erguida e os olhos calmos, fixos no reflexo dos óculos do professor.

Com um castelhano que vinha do fígado pediu a palavra para se defender. Com palavras rasgadas de raiva e vergonha, Silva foi à frente da turma e perguntou o que era ética. Ninguém respondeu e a pergunta foi lançada novamente, educadamente, como uma flecha sem ponta.

O garoto da esquerda deu a definição de Aristóteles; a menina da direita citou o código de ética dos jornalistas; o mais velho falou de meio ambiente e, no final, a pergunta continuava sem reposta definida.

Silva então olhou pro professor e perguntou o que era ética. O velho catalão disse que as respostas dos alunos respondiam a pergunta com louvor. Silva sorriu e disse que todas aquelas éticas eram teoria e não tinha nada de práticas. Com todas aquelas frases bonitas, com todas as zeugmas, as metáforas, os livros, não havia como saber o que fazer e o que esquecer.

E que, além do mais, mesmo falando só de teorias, elas não serviam para todas as culturas, para todas as responsabilidades, para todos os interesses e, portanto, não podiam servir como uma definição de ética universal. E perguntou, de novo, o que era ética.

No silêncio da tensão, onde unhas sendo ruídas pareciam motores de avião, Silva foi ao quadro e escreveu "não faça com os outros o que não gostaria que fizessem contigo". O professor riu com lábios de ironia e abriu a boca para falar, mas foi impedido pela mão espalmada no ar do garoto que pedia mais um instante.

Silva disse que aquela frase era quase perfeita, mas que existiam homens que gostavam de ver suas mulheres com outros, que existiam mercadores que se deixavam roubar para que pudessem ganhar alguma vantagem, que existiam aqueles que se enganavam pela mais pura comodidade.

E disse que faltava pouco e que a próxima frase era o mais perto e definitivo do que alguém já chegou a pensar sobre a prática da ética. Com a mão esquerda agarrou o apagador e fez com que a palavra contigo deixasse de existir. Com a direita escreveu "com seu filho".

Largou tudo. Deu um sorriso, não de vitória, mas de respeito ao professor. Pegou a mochila e foi-se embora. Às suas costas, Silva ouviu os aplausos. E no dia seguinte, na tabela de notas, o pior trabalho de ética da história continuava marcado com o único zero que alguém recebeu naquela faculdade. O óbvio não tem bibliografia.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Aritmética

A você, devoção,
a mim, não.
A você, razão,
a mim, não.
A você, paixão,
a mim, não.
A você mundo,
a mim, não.

Na esperança fraca, porém invencível, fica:
não = sim
4não = 2 sim
2 não = sim
não = sim|2
não = talvez

Mensagem

Oi...
bjs..
br...

Quanto menos letras, mais pensamentos.
Quanto menos toques, mais imaginação.
Quanto menos verdades, mais fantasia.
E, no final, o que não foi vira passado,
concreto, forte, suado, inesquecível.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Mais um dia...

Seis da manhã, avental vestido,
cigarro tragado, café bebido.

Caixas de comida, gritos perdidos.

Vai ser daqueles dias, todo listo.


Pra começar, pega a caixa de batatas,

a de cebolas, os alhos e o creme de leite.

Descasca tudo e não esquece o chapéu.
Amola a faca, traz o lixo e a tábua verde.


Batatas-doce e da terra lavadas.

Fatia elas bem fininho com o fio da faca.

Mais fino, porra! Que chefe é esse?
Uma hora passou e o calor cresce.

Pega as cebolas já descascadas,
corta em quadrados pequenos.
Ele tá chorando, prenda rendada,
É menor que isso, como as que tenho.

Traz o alho, corta e amassa,
mistura o sal e experimenta.
Se arder a língua, está bom
Se não, olha o relógio e refaça.


Bote a panela no fogo.

Não nesse que é meu,

nem naquele que é dele.

Ache seu fogo e faça o seu!


Óleo quente, alho e cebola nele.

Refoga tudo sem queimar.

Olha o tempo, temos que servir

ou vamos ouvir gente gritar.


Desliga o fogo, joga o creme de leite,

mexe tudo bem mexido e pede

uns quatro tabuleiros pra terminar.

Porra, manda esse cara parar de gritar.


Batata doce cobrindo o fundo,

Batata da terra sobre elas,

depois o molho do creme cobrindo tudo

Repete até encher, seu burro.


Forno preparado, pano arrumado,

tabuleiros cheios e encaixados

Hora do cigarro, não!

Hora de cortar o pão...

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Quatro tardes

Tenho tudo verde,
o chão que antes
me mantinha agora
se equilibra sob mim.
Os olhos não fecham,
mas eu não vou gritar.

Tenho idéias pulsando
no corpo mole, mundano,
que se joga no sofá.
Quero paz às minhas pernas;
não vou me levantar.

Tenho música no coração
e o suor escorre como água.
Sou eu uma massa de pele que
morde e engole as mãos,
que tremem sem parar de dançar.

Tenho dores por todo
o corpo que insiste em
desequilibrar, no meio
do salão. Corro, derrubo,
trombo, só quero vomitar.

Seis cidades

Tenho neblina nos olhos,
os tijolos sempre se repetem
ao infinito e o tiro de bala
barata resvala e estoura
dentro de uma cabine vermelha.

Tenho vapor nas narinas,
a areia gruda nos pés
queimados de reflexos
brancos de um sol que
só gosta de cozinhar

Tenho suor na camisa,
as ruas infinitas sempre
levam a torre e o museu
é maior do que posso
suportar sem me matar.

Tenho o estômago cheio,
engolido pela vontade
de comer e arrotar,
nem o grito da morte,
me fez a comida recusar.

Tenho os ouvidos surdos,
e o que se fala não é
para mim o que se escuta
é consequência real
imediata do que não entendo.

Tenho fumaça na cabeça,
os rios correm para todos
os lados e para lugar
nenhum bar me diz não
e eu só quero enrolar.

Tenho água na garganta,
que desce e evapora
antes de eu repirar.
O fundo é vazio, morto
não há nada para mostrar.

Língua dura

Aqui se fala castelhano,
mas alguns defendem o catalão.
As massas comem em italiano,
e os filosofos choram em alemão.

As bombas explodem em inglês,
as estátuas olham em mandarim,
as bolas quicam em português,
enquanto o dutch corre do sim.

A honra se mantém em japonês,
e a depressão sorri em russo.
Os pães crescem em francês,
e o estopim é sempre em galês.

No meio de tantos sons,
tantas línguas, tantos tons,
o tempo ignora nossa vontade
e só ficam as estátuas de mármore
surdos e mudos estandartes.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A filosofia das batatas

"...Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir a outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.

Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas" (Machado de Assis em Quincas Borbas)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Balas

Hoje na praia vi um cara armado
Apontando sua arma para as costas
Do cara que desarmado olhava assustado
Para as pessoas paradas na praia.

Parei curioso, não aterrado, e esperei
Esperei o baque final, fatal não frontal
Daquela bala que poderia ser de festim
Que talvez marcasse a deixa
para o diretor
Gritar de sua cadeira: corta!
Esperei o diretor e o tiro numa calma,

num silêncio angustiante que vinha do meu ouvido

e se transformava em um zumbido
que
se confundia com o barulho das ondas
que no mar
já sabiam
que eu ia andar de novo sem ouvir o tiro

E voltei a andar até o coqueiro, ponto novo para mim

Que tinha dado um tempo desta praia.

Numa paz estranha, já que meus olhos imaginavam

Em cenas sem diretor a vida daquele cara que poderia

Morrer hoje não por derrame ou ataque cardíaco

Mas por uma bala imbecil e fria e pelo ódio incondicional
E naquele calma andei sem olhar para trás

Observando aqueles que virados para minhas costas

Enrugavam seus rostos em desaprovação

Não sei se a mim ou ao cara armado que levava o outro.

E na minha paz divina me locupletei com todas as situações

Que poderiam ser geradas daquele momento:

Eu tomando uma bala

A velha do meu lado tomando a bala

O cara tomando uma bala

O armado ser policial
O armado ser bandido

Eu ser um policial e pegar a arma do bandido

Bala pra todo mundo
E fui naquele marasmo, sem balas nem estampidos

Continuar minha caminhada na direção do coqueiro

E pensava: porque tanto ódio, podíamos conversar

Podíamos sentar e trocar experiências
Mas de súbito me vi impossível, numa mesa de pernas tortas

Com as mão atadas sobre uma arma que soltava balas de feijão

E o homens, burros que só eles, rindo da minha condição de lacaio
De uma idéia fanfarrona de algum brincalhão.

Levantei no meu sonho e disse com voz grossa: eles não sabem,

E no próximo ponto da vida real, desci na areia, no coqueiro menor

Errei o coqueiro e a onda que quebrava me lembrou da bala que alguém tomou.

Eterna busca

E se tudo o que buscas está dentro de você,
seu deus, seu amor, seu mar, sua cor, sua solução
Nada há fora, só sombras como já dizia platão.
Ele só esqueceu de dizer que lá fora
está dentro de você


Outro dia li a bíblia e qual foi minha surpresa

Quando me deparei com a minha própria história,

Meu paraíso uterino é o jardim do éden divino

Onde nada preciso fazer, trabalhar ou comer

Onde há frutas ao meu dispor, onde só há amor


Depois, lançado no mundo, em meio a sangue e dor

Perdi, com o choro, minha felicidade incondicional

E ouvindo atento aos ruídos do mundo exterior

Criei meu próprio conceito de realidade universal


Com os olhos abertos, dei forma ao que via

Com a língua enrolada, dei nome ao que me existia

Com as mãos pequeninas, toquei minha verdade

Com as lágrimas, representei minhas vontades

(Estava criado meu mundo, em essência)


Depois da primeira fase, só precisava obedecer

Meus pais me diziam, preocupados, o que fazer

Este foi meu velho testamente, não havia opção

Era esperar o tempo passar e trabalhar meu coração

Quando menos esperava, vivi os novos livros
Foi me dado o tão esperado livre-arbítrio
Na adolescência, em meio a crises e revoluções,
rompi com meus deuses e desconstrui minhas ilusões

Já adulto, sofri o eterno dilema humano
Defender meus ideiais a qualquer custo
ou me entregar de pronto à um mundo insano,
sedento em me devorar

Crucificado ou não, ainda não cheguei ao meu final,
no momento em que meus anjos e demônios tomarão meu coração
para apresentar a conta crucial,
onde estará detalhado tudo o que fiz,
todo meu bem e todo meu mal

No segundo anterior ao cessar da minha respiração
assistirei impassível, passar toda a minha vida em essência
numa guerra interior inclemente de sangue, suor e paixão
para, finalmente, fechar os olhos para o único caminho possível
o fim definitivo da minha existência

Viagens de fim de tarde

De todas as coisas que mais amo,
poucas se movem ou tem forma.

Daquelas que correm e gargalham,

Dois terços ou mais são mulheres,

Metade do que sobra, animais,

A outra, amigos perdidos


Amar é fechar os olhos e dar de cara,

Amar é dormir sem pensar em nada,
Amar é mergulhar e ficar de ponta a cabeça,

Amar é sofrer por nada e sorrir por sofrer

Amar é detalhes não ver


E mesmo nas inversões mais feias,

Amar é achar a lógica linda e inalterável.


De todo o resto que não se move ou chora,

Amo sensações, das imensas às róseas.
Não tem explicação, nem pedra no rim que sirva

como ponto de comparação...


Amar o silêncio sob as águas,

Amar zumbido do quase dormir

Amar o banheiro vazio e o mictório urgente

Amar o última dose que vão te servir.
Amar um olhar, uma gozada, um sinal verde
Amar a Internet, água gelada, amar normalmente

É sem dúvida no meio das dúvidas
surge o verdadeiro amor
De dentro de um flor feia e enrugada,
o melhor beijo, a melhor trepada.
E o gostinho amargo fica pra sempre,
Como marca em um fantasma carente.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Ridículo

Todas as cartas de amor são
Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.


As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são
Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.


A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos, 21-10-1935

Os sonhos de um...

Mefistófeles (Fausto, Goethe)

Falo verdade chã. Retro bazófias!
Cada homem (microcosmo de loucuras)
imagina-se um todo; e eu sou, confesso,
parte da parte que era tudo in ovo;
parte da treva, mãe da luz, sim dessa
vaidosa luz, que à sua mãe pleiteia
foros de universal; por mais que o tente
não lhos há-de usurpar; quem lhe deu posses
para mais que abraçar as superfícies?
penetra num só corpo? (e inumeráveis
são eles) só os tinge e aformosenta;
e o mais pequeno em seu correr a embarga.
Deixál-a; tenho fé que cedo acabe;
se perece a matéria, está perdida.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Aula 78

Sapatos pretos ou marrons. Nunca brancos. Sempre de uma cor só. Meias brancas, algumas vezes pretas ou marrons. Impossível outra variação. Calças jeans, algumas cargo sem ser jeans e uma idéia fixa em achar um jeans cargo. Camisas lisas, não chamativas, casacos sóbrios, quando possível, blazers. Óculos transparentes, relógio esporte, barba por fazer.

Intensa crise. Velho| Novo é a relação que está em cada escolha cotidiana. Velho querendo ser novo: o jeans cargo seria a união dos dois modelos. Ao mesmo tempo, uma timidez imensa. Sapatos, camisas e casacos que não chamem a atenção que antagonizam com o relógio esporte e com a certeza das palavras. Por fim, um cego que não queria usar óculos e um garoto que sempre quer ter 20 anos, com barba de 20 anos.


"A imortalidade está ligada à defesa de princípios, onde quer que isso leve"

sábado, 19 de janeiro de 2008

A lebre e a tartaruga

Quando mais primeira vez,
não tiver pressa de chegar,
chegar e nenhum lugar,
vendo o futuro, infinito, cativante,

comendo cada instante

do meu constante esperar.

Mas se espero é porque sei que não quero
ter pressa de para trás ficar.

Mais primeira vez,
espero e venero cada momento

que o mundo vem mostrar

o barulho do silêncio

o caminhar dos segundos
o ritual dos ventos
Tudo existe na condição de ensinar

E quem sentindo, sereno, porém atento aguardar
o momento mágico e preciso de levantar
e fazer valer
a cansada condição de esperar

E quando primeira vez,

não tiver pressa de chegar

verei que já terei chegado

em algum lugar

antes e mais aprumado

daquele que saiu antes, apressado
tentando me ganhar.

Coratando

Coração cansado
Coração solitário
Coração apaixonado
Coração anestesiado
Coração acostumado
Coração aflito
Coração enciumado
Coração entristecido
Coração pesado
Coração caído
Coração despedaçado
Coração
Cor ação
Coação
Cação
Caça

Tecnocabal

Zoom in, zoom out
um rato, uma cidade
Objetiva, grande angular
uma sombra, uma tarde

Uma foto, um vídeo
um momento, 30 minutos
Amador, profissional
pouca cor, dinheiro curto

Concreto, virtual
no bolso, pasta de tudo
blog, papel do jornal
futuro, ouvidos surdos

Enquanto o HD gira
vou ficando numa boa
eu sei, eu sei, eu sei

Concretando

Castelo de areia desaba na água
Castelo de areia desagua
Castelo de areia
Castelo de ar
Castelo d'ar
Castelo
Cast
Ca
C
A
I

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Aula de quarta-feira

A verdade, eu te digo
não passa de uma invenção
fraca, torta, um inimigo
de quem quer dominar a razão
E para que dominar a razão
se não para controlar a sociedade
e transformar a sabedoria
numa correria de vaidades
Então contemos mais mentiras
para proteger as verdades
retirantes das falsas gírias,
banhistas no sol da tarde.
Construiremos castelos de cartolina
bandeirantes de solos inférteis,
nulos, mortos, jazendo nas colinas.
Até que tudo caia, se distraia
e se despedace em cacos afiados
para recomeçar tudo de novo.
Com exploradores míopes e cansados
de pés cortados e corações atrofiados.

Neste ponto da história,
não há mais verdades, nem mentiras
há contos e lendas divertidas
sobre coisas que todos acham
mas que ninguém pode acreditar.

Até que alguém na curva do vento
começa a criar novas verdades
sobre uma base de mentiras
sem pressa, sem gritos, sem alarde,
cria-se um novo mundo novo
onde os banhistas continuam tomando o sol da tarde.