sábado, 28 de agosto de 2010

Laranjada no copo de papel (quando começamos a passar)

Durante anos fui assíduo. Depois de almoçar, ia todos os dias tomar uma laranjada no copo de papel. O boteco ficava na Buenos Aires, quase com Primeiro de Março - a rua onde o imperador desfilava sua barba.

O lugar não era sujo, tampouco limpo. Uma bancada de ferro e vidro protegia alguns salgados anteontinos espalhados estratégicamente para ocupar todo o espaço. O senhor, dono do estabelecimento, devia estar na casa dos sessenta e aparentava estar ali desde sempre. Com habilidade, sacava o copo de papel de um tubo, o encaixava num suporte de metal e abaixava a alavanca. O suco vinha com força, de algum lugar entre as ruínas de uma oca dos Guarani e o chão. Era imperdível.

Pois bem, voltei ao local semana passada, seco por uma laranjada. E encontro um aquário. Explico, o velho do suco passou o ponto e os novos donos resolveram modernizar. Maldita modernidade. O lugar era literalmente um aquário. Luzes brancas no lugar das velhas amarelas, paredes e chão de azulejos claros e com textura no lugar do chão preto com bolinhas brancas e das paredes sujas, uma reluzente bancada de mármore substituindo o vidro dos salgados anteontinos.

Perguntei se serviam suco. A atendente de uniforme de aeromoça disse que sim e sacou um copo de plástico. Fiquei nervoso, admito e, meio sem jeito, perguntei se havia a possibilidade de me servir a laranjada no copo de papel. Ela, jovem, pintada, com um logotipo qualquer estampado na testa, me olhou estranho e mostrou os velhos e bons copos de papel. Se justificou: disse que ninguém mais pedia aquilo. "Aquilo". Pelo menos a alavanca ainda existia.

Os clientes sarados vindos de alguma academia e três garotas provavelmente da quatro por quatro me olharam com desdém e eu molhei minha barba da mesma maneira que fazia quando não se podia ver as poças de suco no velho chão preto com bolinhas brancas.

Nenhum comentário: