terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Ética

O professor entregava as notas do trabalho de ética. A turma ansiosa fazia um barulho constante, uma névoa de sons vários que flutuava exatamente na altura dos ouvidos. Tortura. De repente, o silêncio.

O professor perguntava em catalão quem era o Silva. O rapaz levantou o braço e se identificou. E se fez o silêncio absoluto, por milésimos de segundo, o mesmo silêncio que ocupa o tempo entre o gol e a vibração da torcida.

Segundo o mestre, aquele era o pior trabalho que já havia lido. O silêncio se refez e a turma vestida com uma compaixão teatral quedou-se em miradas tímidas e cabeças baixas. Silva manteve a cabeça erguida e os olhos calmos, fixos no reflexo dos óculos do professor.

Com um castelhano que vinha do fígado pediu a palavra para se defender. Com palavras rasgadas de raiva e vergonha, Silva foi à frente da turma e perguntou o que era ética. Ninguém respondeu e a pergunta foi lançada novamente, educadamente, como uma flecha sem ponta.

O garoto da esquerda deu a definição de Aristóteles; a menina da direita citou o código de ética dos jornalistas; o mais velho falou de meio ambiente e, no final, a pergunta continuava sem reposta definida.

Silva então olhou pro professor e perguntou o que era ética. O velho catalão disse que as respostas dos alunos respondiam a pergunta com louvor. Silva sorriu e disse que todas aquelas éticas eram teoria e não tinha nada de práticas. Com todas aquelas frases bonitas, com todas as zeugmas, as metáforas, os livros, não havia como saber o que fazer e o que esquecer.

E que, além do mais, mesmo falando só de teorias, elas não serviam para todas as culturas, para todas as responsabilidades, para todos os interesses e, portanto, não podiam servir como uma definição de ética universal. E perguntou, de novo, o que era ética.

No silêncio da tensão, onde unhas sendo ruídas pareciam motores de avião, Silva foi ao quadro e escreveu "não faça com os outros o que não gostaria que fizessem contigo". O professor riu com lábios de ironia e abriu a boca para falar, mas foi impedido pela mão espalmada no ar do garoto que pedia mais um instante.

Silva disse que aquela frase era quase perfeita, mas que existiam homens que gostavam de ver suas mulheres com outros, que existiam mercadores que se deixavam roubar para que pudessem ganhar alguma vantagem, que existiam aqueles que se enganavam pela mais pura comodidade.

E disse que faltava pouco e que a próxima frase era o mais perto e definitivo do que alguém já chegou a pensar sobre a prática da ética. Com a mão esquerda agarrou o apagador e fez com que a palavra contigo deixasse de existir. Com a direita escreveu "com seu filho".

Largou tudo. Deu um sorriso, não de vitória, mas de respeito ao professor. Pegou a mochila e foi-se embora. Às suas costas, Silva ouviu os aplausos. E no dia seguinte, na tabela de notas, o pior trabalho de ética da história continuava marcado com o único zero que alguém recebeu naquela faculdade. O óbvio não tem bibliografia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acredito que o fato aconteceu com
o autor..Sinto um texto sentido controvertido e discutivel...
Ética,ética universal,prática da ética...A ideia é boa mas o texto
poderia ser revisado e ligeiramente
modificado ...
E quem não tem filho? Esse ditado serve para definir ética? Falaremos
mais pelo computer ...